Já percebeu que marketeiro é tudo fuleiro?

Eles te tratam como especial, quando na verdade, você é só mais um.

"Eu nunca digo a um cliente que não posso comparecer a uma reunião porque tenho um compromisso anterior com outro cliente; a poligamia bem-sucedida depende de fingir para cada cônjuge que ela é a única sereia na sua praia."

— David Ogilvy

Todo bom comunicador vive uma poligamia.

Você precisa se comunicar com milhares, mas fazendo-os acreditarem que a sua mensagem é única e exclusiva.

Se você parar para ler atentamente meus textos, perceberá que a palavra que mais repito é “você”.

E se o Beehiiv me permitisse utilizar a tag [PRIMEIRO_NOME], tenha certeza que eu abusaria dela.

Como vocês já sabem, eu sou bacharelando em Marketing na USP.

E lá, fala-se muito de segmentação de público

De personalização de mensagem…

De atingir fatias cada vez mais específicas.

E que, estrategicamente, hoje em dia, a maior tendência é que empresas não consigam dominar o mercado com apenas um produto que atende a todos.

O famoso “one-size fits all”

É preciso criar um portfólio, onde cada fatia de público se encaixa em um produto seu, até que possamos juntá-las e formar a pizza inteira.

Mas disso, quem é do mercado já sabe.

A questão é: como levar isso para a comunicação?

Como levar isso para anúncios?

E não digo na questão de criar diversos ângulos para abordar cada público.

Isso aí é um conceito tático de marketing.

Eu tô falando do operacional.

Como de fato escrever de forma que seu texto pareça uma carta de amor.

Aquela que você gasta horas escrevendo para uma única pessoa especial.

Aquela que o destinatário lê do começo ao fim com todo o prazer do mundo.

Isso é copywriting.

Copywriting é a arte de flertar.

E pra isso, existem um trilhão de estratégias, desde as mais batidas, até as mais fora da curva.

Vou mostrar algumas, mas o ideal é que você comece a ver o mundo a sua volta e use seu senso crítico.

Vamos usar 2 textos que gosto bastante:

I Have a Dream - Martin Luther King

Uma coisa que você vai perceber lendo textos de políticos é que na verdade, nesse contexto deles, quando fazem discursos EM PÚBLICO, dificilmente vão usar o termo “você”.

Toda mensagem nossa depende muito do meio… e falar no singular quando um milhares de pessoas estão reunidas…

Não faz muito sentido.

Então o que fazem?

Criam um senso de comunidade e tratam o grupo como apenas um. 

Trazendo assim aquele ar de grandeza.

O indivíduo deixa de ser um, e começa a se comportar como um cardume.

No discurso do MLK, o cardume tem nome e sobrenome: “The Negro”.

Percebe que eu não preciso usar o termo “você”?

Porque quando eu falo “The Negro”, o próprio ouvinte faz a associação livre:

Eu sou negro, eu sou oprimido, eu estou revoltado, logo, quando o Luther diz “The Negro”, ele está falando comigo.

E aí o que eu faço?

Pra atiçar ainda mais o senso de pertencimento e pessoalidade, eu começo a dizer coisas que todo o meu público enfrenta, concorda e está revoltado:

Cem anos mais tarde, devemos encarar a trágica realidade de que o negro ainda não é livre. Cem anos mais tarde, a vida do negro está ainda infelizmente dilacerada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação.

Cem anos mais tarde, o negro ainda vive numa ilha isolada de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos mais tarde, o negro ainda definha nas margens da sociedade americana estando exilado em sua própria terra. Por isso, encontramo-nos aqui hoje para dramatizar essa terrível condição.

E a partir do momento que o ouvinte se identifica, entra de cabeça no discurso e começa a dizer repetidamente “concordo”, “concordo” e “concordo”, tudo que eu falar em seguida vai ser tratado como verdade.

O terreno ficou preparado para eu cultivar minha mensagem.

E aí ele começa a dar um show:

Essa é a nossa esperança. Essa é a fé com a qual eu regresso ao Sul. Com essa fé nós poderemos esculpir na montanha do desespero uma pedra de esperança. Com essa fé poderemos transformar as dissonantes discórdias do nosso país em uma linda sinfonia de fraternidade.

Com essa fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ser presos juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que um dia haveremos de ser livres. Esse será o dia, esse será o dia quando todos os filhos de Deus poderão cantar com um novo significado:

Meu país é teu, doce terra da liberdade, de ti eu canto.

E o pessoal começa a ficar tipo “pqp, é isso mesmo, não vamo descansar até conseguirmos o que queremos.”

E o discurso continua… mas o ponto crucial pra essa newsletter é:

Com um bom discurso, um substantivo comum se torna um substantivo próprio.

E com um bom discurso, o “nós” se torna um “você”.

Palavras são códigos. Códigos podem ter significados diferentes dependendo do contexto.

Basta você masterizar a arte de ressignificar.

Garoto Bombril - Washington Olivetto

Esse anúncio é muito bom.

Se você for ver, a maior parte das marcas se posiciona de uma forma prepotente, como se fosse maior que o consumidor.

E por conta disso, quando usam o termo “você”, fica muito impessoal.

Fica batido.

E eles falham em deixar o discurso pessoal quando, para nichar a comunicação, dizem algo como “você, que come banana 3 vezes por dia”.

Não fica legal.

Então o que a Bombril fez?

Um personagem que, apesar de homem, é totalmente desmasculinizado, fala pra dentro, conversa com vergonha e se posiciona como inferior ao público, que ele genialmente chama de “senhora”.

Então, saindo da curva e parecendo uma pessoa autêntica falando…

Parece mesmo que o garoto Bombril está falando comigo.

E perceba que ele NUNCA tenta nichar mais do que o termo “senhora”.

Ele não diz “senhora que lava louça”.

Porque não precisa.

Às vezes, na tentativa de deixar muito específico, fica forçado.

Deixa que o produto por si só vai filtrar o público…

A comunicação não precisa ser o único filtro.

Bom pessoal, por hoje é só. Essa newsletter foi bemmmm longa, mas espero ter passado minha mensagem.

No mais, trago uma aspas para você refletir:

“A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”

~ Ernest Hemingway - Por Quem Os Sinos Dobram

Até segunda!

Atenciosamente,

Victor

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